A linha do tempo do mercado imobiliário no quadro acima aponta o ano de 1964 como tendo sido o ano do lançamento do SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, das Sociedades de Crédito Imobiliário e Associações de Poupança e Empréstimo, os novos depósitos de poupança e repasses do BNH (financiadores do sistema) e a autorização para aplicar a Correção Monetária nos contratos de crédito imobiliário. Foi também o ano em que foi promulgada a Lei do Condomínio, Edificações e Incorporações Imobiliárias com a criação do CUB – Custo Unitário Básico.
A idéia era a formação do mercado imobiliário com seu sistema de financiamento e garantias próprias, focado na classe média brasileira, um verdadeiro ecossistema imobiliário estava em formação. Dois anos depois, em 1967, foi criado o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço -, outra fonte de recursos que veio para reforçar o sistema de financiamento imobiliário.
Vinte anos depois do SBPE, em 1994, com o plano real, veio a primeira atualização do sistema. As sociedades de crédito imobiliário, e as associações de poupança e empréstimo são substituídas pelos Bancos Múltiplos, impactando no fim das associações de poupança e empréstimo independentes, e aumentando o controle e a fiscalização do sistema para uma base maior de financiamentos do sistema
imobiliário.
Em 1997, mais 3 anos depois, foi lançado o Sistema Financeiro Imobiliário – SFI – criando outras formas de financiamento do sistema imobiliário, e, sobretudo, melhorando o sistema de garantias, inaugurando a alienação fiduciária, além da garantia hipotecaria. A idéia era facilitar a entrada no sistema de financiamento, aprimorando o sistema de garantias, e ampliando sobremaneira o prazo dos financiamentos.
As mudanças no SBPE ao longo dos anos, sempre vieram no sentido de aumentar a capacidade de financiar o sistema, ao mesmo tempo em que se procurou também melhorar e aperfeiçoar as garantia dos financiamento imobiliários, contribuindo para a preservação do sistema. Mas o SBPE foi um sistema criado e operado para financiar a classe média do país, aquelas famílias com empregos formais, caracterização de renda, capacidade de pagamento. Ao longo desses quase 50 anos, o SBPE veio perdendo fonte de financiamento via poupança, e FGTS – utilizado para financiar privatizações p.e. – além dos fundos como o PAR e o FAT que geridos pela Caixa, foram sendo utilizados para outras finalidades.
O mercado substituiu esses recursos por recursos pelo SFI, com alienação fiduciária, permitiu que uma mesma família pudesse inclusive adquirir mais de uma unidade imobiliária financiada, securitizou o crédito imobiliário através dos Fundos Imobiliários, das LCIs, CCIs, entre outros. Entretanto, mais garantia, nesse caso, sempre foi sinônimo de créditos mais caros, bem acima dos custos originais do rendimento da poupança acrescidos de spread bancário.
Como resultante, houve redução da capacidade de pagamento, redução dos prazos de financiamento, e redução do tamanho do mercado. A carência por imóveis mais populares, desassistida, foi crescendo, as cidades e regiões metropolitanas foram sendo favelizadas, e o solo urbano sofreu ataques recorrentes de ocupações irregulares, em todos os padrões e classes de renda, notadamente tomando áreas de preservação ambiental, pouco ou nunca fiscalizadas.
O Plano Nacional de Habitação Minha Casa Minha Vida, veio, originalmente, para suprir essa carência, mas essencialmente para ajudar na construção de soluções na direção de uma melhor distribuição da população em solo urbano. Inúmeros casos foram as ocupações regulares pelo MCMV, entretanto, sem a contrapartida municipal, muitas dessas implantações foram abandonadas, e continuam ainda sem solução nos dias de hoje.
A alternância democrática de poder, e o retorno de uma versão mais a esquerda no espectro político, permite relançar o MCMV, e agora, há uma expectativa de que se consiga uma versão ainda mais moderna do MCMV, incluindo a Classe Média até o limite dos 500 mil reais de preço do imóvel, e renda familiar, no limite, de 12 mil reais, o que seria uma extrapolação vigorosa dos objetivos iniciais do MCMV,
destinado a salvar famílias sobreviventes do uso irregular do solo urbano nas regiões metropolitanas do país.
Evidentemente que os termos de financiamento para a faixa até 8 mil reais de renda familiar, e a partir daí, até os 12 mil reais de renda familiar, deveriam ser diferentes, mas ainda sim, favorecidos em relação ao atual SBPE e ao SFI. Algumas questões sobrevem, com, p.e. se haveria recursos disponíveis para tamanha inversão, ou se o governo brasileiro entraria apenas garantindo os agentes financeiros participantes, de toda forma, o impacto da medida é inusitado.
Neste momento, depois do desarranjo econômico causado, principalmente, pela desorganização do sistema produtivo e de transporte, impactados pela pandemia de 2020 a 2021, a atuação dos Bancos Centrais que colocaram em prática políticas monetárias ativas através de aumentos das taxas primárias de juros e do maior controle da expansão dos agregados monetários, começa a entregar resultados.
A curva da inflação média na Europa, na Ásia, e nas Américas para os próximos 12 meses já projeta números abaixo dos 2% ao ano, e muitos dos Bancos Centrais começam a reavaliar suas políticas ativas, sendo, o mais provável, um início conjunto de redução das taxas de juros, já a partir dos próximos meses.
A redução dos juros, impacta, mecanicamente, em horizonte muito positiva e muito relevante, a capacidade de pagamento de empréstimos, notadamente os imobiliários, de mais longo prazo. Na mesma renda, a cada 1% de redução nos juros anuais, para empréstimos com 20 anos de prazo total do financiamento, a capacidade de pagamento aumenta de 10% do preço do imóvel. Uma queda de 7%
(≈ 50% da taxa atual) impactaria em 70% mais capacidade de pagamento dentro da mesma renda.
Acrescentando ao movimento da redução dos juros, o crescimento econômico medido pelo PNB, refletindo diretamente no aumento de renda da população ativa, impulsionado pelo crescimento da eficiência econômica, notadamente do agronegócio, pelo lado da demanda, a expectativa é a de que poderemos ter uma aceleração, absolutamente desproporcional, em relação a oferta de produtos
imobiliários nos próximos 5 a 10 anos.
Maior demanda, considerando os ciclos imobiliários maiores, entre 36 e 60 meses desde o lançamento comercial até a entrega, vai reduzir a capacidade de oferta, ao mesmo tempo em que a demanda poderá estar em seu ponto máximo nos próximos 2 ciclos.
Tudo indica que há fundada possibilidade de preços maiores para os imóveis no país, empurrando as classes mais populares para a periferia das cidades e das regiões metropolitanas, impulsionando o desenvolvimento nas áreas de expansão urbana naturais.
Considerando a atual oferta de tecnologia, notadamente de comunicação, por todo o país, além do relançamento do plano aeroportuário – um aeródromo a cada 100 kms – seria muito provável que cidades ainda médias, possam receber um grande número de novos moradores nesse mesmo período.
O milagre do crescimento e da redistribuição da população no estado brasileiro deve começar a acontecer, de uma forma mais efetiva, melhor escorada em tecnologia, mais preparada para a ocupação, muitas vezes pioneira, que carrega junto, a interiorização das conquistas das cidades, e o desafio da ocupação dos vazios economicamente viáveis.